Temos, com isso, basicamente duas relações distintas com a roupa. De um lado, uma roupa apresentada como parte integrante de um universo maior e que, em seu conjunto, é representativa de um determinado estilo. Independentemente do fato de se quem compra essa ou aquela roupa seja, tanto quanto a roupa comprada, parte integrante do mesmo universo do qual ela é representativa, o fato é que é por meio desses símbolos (roupa, decoração, música etc) que se tem acesso, real ou simplesmente pretendido, a ele. Tais universos existem apenas enquanto expressão e acentuação de determinados traços simbólicos. Se é através dos símbolos que se lhes cobra a expressão de uma existência real, é também através dos símbolos que se chega até eles.

As lojas de griffes tanto quanto as de shopping centers atendem a esse interesse específico, que aqui será chamado de demanda de legitimação, de possibilitar que se ostentem os símbolos de uma alta cultura, símbolos que rodeiam e constróem um universo de privilégio ao redor do indivíduo. A roupa é tão somente um dos instrumentos utilizados para integrar esse indivíduo a um conjunto maior, para imprimir em quem a usa uma indissociação entre o indivíduo e um universo social. Ela torna-se traço distintivo de uma posição social privilegiada. Mas não apenas ela: o discurso sobre tais pessoas – suas roupas, e seu reconhecimento visual – é igualmente um esforço para acentuar essa posição de privilégio. Quando abrimos as revistas de moda voltadas para esse público mais “seleto”, quando os ouvimos falar, quando os vemos nas colunas sociais (mesmo que eles tenham pago para que pudessem aparecer ali), quando os vemos oferecendo recepções suntuosas com a presença de pessoas famosas (mesmo que elas tenham ganho um cachê para estar ali), é este esforço de acentuação de uma posição social privilegiada que está em jogo. E exemplos disso podem ser vistos constantemente em qualquer veículo da mídia que possibilite que este privilégio possa ser expresso. Vejamos alguns exemplos interessantes disso.

A revista Marie Claire publicou em maio de 1996 um artigo no qual fazia uma seleção de grupos da moda. Nos qualificativos empregados para a descrição de cada um desses grupos (dos quais apenas alguns figuram aqui) fica explícito o quanto também o discurso é emblemático de uma dada posição social, no caso privilegiada:

Designers 
A aparência despojada é essencial, assim como os toques de criatividade que os diferenciam dos outros mortais.

Originais 
São capazes de gastar muito em roupa, mas preferem não revelar quanto: o importante não é a peça ou a griffeoriginal, mas a interferência – afinal, definem-se como “camaleoas”, refletindo na roupa um momento particular. Muitos amigos, histórias e viagens. Muito tudo. É a vida delas que é original. O guarda-roupa é só um reflexo.

Poderosas 
Mulher no superlativo: roupas justas, cores vivas, decotes, saias curtas, saltos altíssimos, perfume marcante, cabelos superpenteados, muita maquiagem e jóias que não deixam dúvidas: elas têm poder.

Clássicas 
Versatilidade é fundamental: elas saem cedo de casa para trabalhar e engatam direto na noite, sem tempo para trocas de roupas. (…) Viajantes, elas sabem exatamente o que querem e onde encontrar.

Povo da moda 
Tem o toque de Midas da transformação: em suas mãos, qualquer pessoa de carne e osso se transmuta em qualquer personagem – ou em si mesma, com o look mais adequado.

Fonte: Revista Marie Claire, maio, 1996.

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